Dor à flor da pele.
Leishmaniose cutânea: como uma doença não fatal pode ser uma ameaça à vida das pessoas
Nascido e criado em Chocó, na costa Colombiana do Pacífico, há cerca de um ano Serafin Moreno, mineiro de 40 anos, acreditava que iria morrer. A primeira ferida apareceu na testa, a segunda no braço. Em um mês as úlceras cresceram e se multiplicaram, tomando todo o seu corpo. “Contei 98 em dado momento, a pior e mais profunda era na testa, eu já não podia mais esconder e não conseguia mais trabalho”, conta com a voz quase sumida. A espera pelo medicamento que nunca chegou durou dois meses, até que Serafín gastou o pouco dinheiro que tinha, deixou a mulher e os filhos e seguiu para Medellín, a cerca de 180 km de distância, onde, segundo lhe contaram, conseguiria tratamento.
Na Universidade de Antioquia, em Medellín, a clínica do Programa de Estudo e Controle de Doenças Tropicais (PECET) atrai pacientes como Serafín Moreno vindos de todo o país. Na Colômbia, a leishmaniose cutânea é uma patologia endêmica em quase todo o território nacional, com mais de 128 mil casos reportados em dez anos, de 2001 a 2011, segundo dados da Organização Pan-Americana de Saúde. “Apesar de não fatal, a forma cutânea da doença é cercada de estigma social, econômico e psicológico”, conta Byron Arana, diretor do programa para a doença na DNDi. Estima-se que existam no país cerca de 10 milhões de pessoas em risco, com transmissão incidindo principalmente em regiões rurais. Globalmente, calcula-se 350 milhões de pessoas em risco.
Partindo de Medellín em direção à Bogotá por uma estrada tortuosa que corta as montanhas, Rio Claro está situada entre a cordilheira central e oriental dos Andes. Nos arredores da pequena cidade, em um povoado chamado Jerusalém, encontramos um conjunto de pouco mais de 100 casas que parecem habitadas apenas por mulheres e crianças. Os homens estão nas minas de mármore. Ao redor, a vegetação nativa abriga os mosquitos do gênero Lutzomyia. A área é endêmica de leishmaniose cutânea e é raro encontrar uma criança que já não tenha tido pelo menos uma ferida característica da doença. Os tratamentos são caseiros, como suco de limão quente ou soda cáustica. As consequências são queimaduras que deixam marcas para toda a vida. A alternativa são as dolorosas injeções diárias – que podem ser fatais – próprias para tratar a forma visceral da doença, e que permanece como a única alternativa para a forma cutânea até hoje. “Difícil aceitar que um tratamento de uma doença não fatal pode matar um paciente”, diz Carolina Batista, diretora médica da DNDi América Latina.
O programa da DNDi para a leishmaniose cutânea na América Latina começou em 2012. Um estudo sendo conduzido na Colômbia atualmente está investigando se uma formulação tópica contendo anfotericina b pode ser um tratamento mais seguro e eficaz para a leishmaniose cutânea. O projeto faz parte de uma ampla aliança estratégica entre DNDi e Ruta-N – Cidade de Medellín – para o desenvolvimento de inovação em saúde para as populações negligenciadas, como as que sofrem de leishmaniose e doença de Chagas.