Para a realização de uma ação global com o objetivo de superar o desequilíbrio fatal com que se depara hoje a P&D em saúde e para melhorar a situação do acesso de milhões de pacientes sofrendo de doenças que afetam desproporcionalmente os países em desenvolvimento, eu gostaria de ressaltar cinco pontos que acredito serem fundamentais:
1. Preparar uma agenda com prioridades de P&D claras. Enquanto discutimos, devemos ter consciência de que ainda precisamos percorrer um longo caminho para alcançar este objetivo. Deve estar claro para todos nós, por exemplo, que para controlar o HIV/Aids precisamos muito mais do que preservativos e anti-retrovirais. Vacinas são urgentemente necessárias. Precisamos urgentemente de novos diagnósticos e medicamentos inovadores para combater a TB. Médicos ainda são condenados a usar ferramentas de saúde que foram descobertas há mais de quarenta anos atrás. Enquanto isso, a tuberculose está voltando. Também precisamos de novas ferramentas para diagnosticar pacientes se quisermos eliminar a doença do sono, para mencionar uma das doenças com as quais a DNDi está envolvida. Ainda estamos usando medicamentos tóxicos e perigosos como o melarsoprol, que apresenta reações adversas severas e frequentes, enquanto a única alternativa disponível é um medicamento sofisticado impossível de ser utilizado em contextos onde a doença do sono é endêmica. A OMS, com a aprovação dos Estados Membros, está numa posição chave – e atualmente eu diria mesmo única – para definir uma agenda prioritária para P&D essencial em saúde, levando em consideração as necessidades específicas ligadas a regiões precárias;
2. Estímulo à P&D. Redirecionar o conhecimento científico de hoje para as necessidades dos pacientes supõe uma mudança significativa na maneira como a inovação essencial é considerada, financiada e tornada acessível. Barreiras demais ainda impedem o ciclo de inovação. É necessário superá-las. É necessário realizar mais esforços no campo da pesquisa básica, mas também é crucial traduzir este conhecimento básico em possíveis medicamentos. Ênfase deve ser colocada na pesquisa translacional. Ao mesmo tempo, precisamos aumentar a capacidade de ensaios clínicos nos países em desenvolvimento; iniciativas para transferência de tecnologia devem estar no coração deste esforço, junto com a utilização e fortalecimento de capacidade dos países endêmicos. Estou convencido que a determinação dos governos nesta direção aumentaria consideravelmente a disponibilidade e acessibilidade financeira a medicamentos, vacinas e ferramentas diagnósticas;
3. O acesso é um fator chave, precisamos criar um ambiente mais favorável para P&D direcionada a necessidades. Isto requer certas condições que não existem hoje. Me refiro em particular à questão do acesso ao conhecimento já existente em bibliotecas de compostos. Certamente estão sendo ignorados potenciais medicamentos nas inúmeras bibliotecas de compostos, e reativar esta ciência adormecida é vital se queremos realmente desenvolver inovações essenciais. Também precisamos facilitar o processo regulatório. Neste campo, também, um vínculo mais estrutural é necessário entre as necessidades públicas não satisfeitas e as ferramentas que salvam vidas. O risco-benefício de cada medicamento ou vacina terá de ser avaliado em relação às necessidades dos pacientes, à severidade da doença, e à existência de opções de tratamento alternativas. E novamente, a transferência de tecnologia é aqui o caminho a seguir, como reconhecido também no Acordo TRIPS. Este artigo precisa ser implementada com credibilidade.
4. Serão necessários múltiplos atores para implementar tal ambição, tal como discutido hoje no Grupo de Trabalho Intergovernamental estabelecido pelos Estados Membros da OMS. Parcerias de Desenvolvimento de Produto – PDPs são sempre mencionadas como sendo o novo ator que efetivamente está modificando o cenário de P&D, e nosso papel pode certamente ser muito importante para catalisar competência científica, unir plataformas de pesquisa e manter os objetivos de P&D bem focados. Entretanto, seria totalmente irrealístico pensar que PDPs podem representar a solução para o problema. Hoje, seu trabalho depende largamente de financiamento filantrópico e seu sucesso ainda precisa ser provado. No entanto, ainda que PDPs fossem totalmente bem sucedidas elas não proporcionariam, sozinhas, a solução às lacunas existentes em P&D. É necessário promover parcerias com institutos de pesquisa públicos, governos, academia, e claro com as empresas farmacêuticas, incluindo empresas de grande porte, empresas de biotecnologia, e produtores genéricos nos países em desenvolvimento.
5. Financiamento sustentável é urgentemente necessário. A saúde global precisa se tornar um setor estratégico para os governos, e novas fontes de financiamento, com um comprometimento público sustentável, precisam ser encontradas e implementadas imediatamente. Um plano dessa importância para a P&D essencial em saúde não pode ser deixado à boa vontade dos filantropistas. Não pode depender de motivações humanitárias. Requer vontade política firme.
Não há receitas fáceis para a estratégia global e o plano de ação que o IGWG foi requisitado a preparar em menos de dois anos. Uma tarefa intimidante e desafiante. Mas se quisermos ser bem sucedidos nesta iniciativa totalmente inovadora liderada pela OMS, a qual apoiamos incondicionalmente, estes são a meu ver os ingredientes essenciais no processo que devemos levar adiante.
Obrigado, Sr. Presidente.
Fonte: Discurso na OMS – IGWG