[Genebra – 4 de novembro de 2017]
Resultados abrem possibilidade de mudança de paradigma no tratamento de uma doença fatal
O primeiro tratamento exclusivamente oral para a doença do sono, a tripanossomíase africana humana, provocada pelo Trypanosoma brucei gambiense (g-HAT), teve a eficácia e segurança comprovadas por estudos clínicos liderados pela Iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi) e seus parceiros, publicado hoje em The Lancet.
Transmitida pela mordida da mosca tsé-tsé infectada, a tripanossomíase africana humana (ou doença do sono) geralmente é fatal quando não é tratada. A forma g-HAT representa 98% de todos os casos notificados de doença do sono.
Entre 2012 e 2016, um estudo-piloto aberto, randomizado, de fases II e III, comparou a eficácia e segurança do novo tratamento com a terapia de primeira linha: a combinação do nifurtimox com a eflornitina (NECT, na sigla em inglês), em pacientes com a forma meningo-encefalítica (ou estágio 2) da forma g-HAT da doença.
Para o estudo, 394 pacientes foram recrutados em 10 centros na República Democrática do Congo (DRC) e República Centro-Africana. O fexinidazol mostrou taxa de sucesso terapêutico de 91,2%, comparada com 97,6% com NECT, 18 meses depois de concluído o tratamento. Os resultados mostram que o fexinidazol é eficaz dentro de uma margem de aceitabilidade predefinida a partir de uma pesquisa com os profissionais de saúde que tratam a doença, com base nas vantagens significativas de um tratamento de primeira linha exclusivamente oral. Não houve grandes diferenças entre fexinidazol e NECT em termos de segurança.
“NECT é extremamente eficaz no tratamento da doença do sono e tem desempenhado um papel fundamental na redução da carga global dessa doença letal, tendo chegado a menos de 2.500 casos por ano segundo os dados mais recentes. No entanto, o NECT exige múltiplas injeções, além de infraestrutura hospitalar, o que limita o acesso para os pacientes que vivem em áreas remotas e cria um peso grande para o sistema de saúde”, disse Dr. Victor Kandé, Consultor Especialista da DNDi, do Ministério da Saúde da República Democrática do Congo e principal investigador do estudo. “Uma terapia oral faria uma diferença significativa, uma vez que eliminaria muitas barreiras ao tratamento, inclusive a necessidade de uma equipe médica e de enfermagem qualificada para administrar a medicação parenteral”.
Até a introdução do NECT pela DNDi e seus parceiros, muitas vezes a g-HAT era tratada com um derivado de arsênico, um veneno, que matava um em cada 20 pacientes. NECT já substitui esse derivado de arsênico no tratamento da forma g-HAT, mas os pacientes ainda precisam se submeter a uma dolorosa punção lombar para definir o estágio da doença em que se encontram. O fexinidazol é eficaz contra ambos os estágios da doença, de maneira que evita a punção lombar.
Dois outros estudos já confirmaram a eficácia do fexinidazol no tratamento da forma hemo-linfática (estágio 1) e estágio 2 inicial em pacientes com g-HAT (98,7%), e em crianças (97,6%), 12 meses depois do fim do tratamento. Foram recrutados 230 adultos como parte do estudo sobre segurança e eficácia em pacientes de estágio 1 e estágio 2 inicial, além de 125 crianças para o estudo pediátrico. De maneira geral, esses outros estudos não revelaram quaisquer sinais de problemas de segurança relacionados ao uso do fexinidazol.
“Com a disponibilidade de um medicamento oral como fexinidazol para tratamento de primeira linha no futuro, e com o NECT reservada para segunda linha de tratamento, abre-se a possibilidade de uma mudança de paradigma no enfrentamento da doença pelos programas nacionais, além de facilitar a integração do manejo da doença dentro do sistema de saúde”, disse a Dra. Nathalie Strub-Wourgaft, Diretora Clínica da DNDi. “Com o tempo, o tratamento poderá ser administrado na atenção primária, eliminando a necessidade de internação hospitalar; potencialmente, pela primeira vez, os pacientes poderão receber o tratamento inteiro em casa”.