Iniciativa visa fortalecer a sociedade civil em defesa de direitos e melhorar a qualidade de vida das pessoas afetadas
Foi durante uma tragédia que Diana Soliz descobriu que tinha doença de Chagas. “Quando eu e minha filha atravessamos a rua, o caminhão passou raspando e atropelou uma criança que vinha atrás. Entrei em choque e fui parar no hospital. Quando o médico me examinou, disse que eu tinha o coração grande”. Boliviana, de 63 anos, Diana só soube de seu diagnóstico quando foi para o Brasil em 2000 após uma série de exames inconclusivos e dificuldades de atendimento por ser imigrante. “Foi um cardiologista que sugeriu fazer um exame para Chagas. Deu positivo e comecei o tratamento logo depois. Em 2006, coloquei o marcapasso”.
Diana é uma das cerca de 40 lideranças do Minicurso de Formação e Fortalecimento de Lideranças Acometidas por Doenças Socialmente Determinadas, que ocorreu entre os dias 18 e 20 de setembro, antecedendo o 59º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (MEDTROP). O curso foi desenvolvido pela iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em inglês), a organização NHR Brasil (Netherlands Hanseniasis Relief) e o Ministério da Saúde.
Diana Soliz, representante da ACHAGRASP (Associação de Chagas de São Paulo).
A formação reuniu lideranças de diversas regiões do Brasil afetadas por nove doenças: filariose linfática, hanseníase, Chagas, hepatites virais, HTLV, HIV, Zika, leishmaniose e tuberculose. Durante os três dias de curso, os participantes puderam aprimorar suas capacidades organizacionais e de luta por melhores condições de saúde e qualidade de vida em seus territórios. “Não tive a oportunidade de fazer faculdade. Essa é a nossa faculdade. Esses cursos incentivam a gente a aprender com os outros. Aprendemos outras realidades de outras doenças e de outros territórios”, contou Diana.
Responsável por ministrar o curso, Eleonora Schettini, professora de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica o objetivo da formação para as lideranças. “A nossa expectativa com esse curso é que essas pessoas possam, com esses conhecimentos de advocacy e liderança, conquistar mais autonomia, aperfeiçoando, assim, o seu papel social e político para ajudar a transformar a sociedade”.
Eleonora Schettini, professora de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Entre as organizações presentes estão o Integra Chagas, Movimento Nacional de Doenças Negligenciadas (MNDN), Associação Brasileira de Portadores de Leishmaniose (AbrapLEISH), Movimento Brasileiro de Luta Contra as Hepatites Virais – MHV, Associação HTLV Vida, Movimento de Reintegração dos Acometidos pela Hanseníase (MORHAN) e Associação Casinha do Bem.
Representantes do Ministério da Saúde também acompanharam o curso e reforçaram a importância da formação no contexto da criação do Brasil Saudável, programa que pertence ao recém-criado Comitê Interministerial para a Eliminação da Tuberculose e de outras Doenças Determinadas Socialmente (CIEDDS). “O grande diferencial do programa é o envolvimento da sociedade civil. Por isso este curso é tão importante. Para cada doença listada no programa, há um representante de um movimento. Queremos que essas pessoas voltem para seus territórios pensando em como articular com diferentes setores, seja da educação, política, cultura ou da própria saúde”, contou Margarida Praciano, consultora do Ministério da Saúde.
Durante os encontros, as lideranças participaram de aulas teóricas sobre ciência política e direitos civis, além de atividades práticas focadas na elaboração de estratégias de incidência política. Também aprenderam a identificar espaços de participação social nos níveis municipal, estadual e federal, entendendo como ocupar esses lugares para impulsionar suas causas.
O encerramento foi marcado pela redação de uma carta coletiva destinada ao Ministério da Saúde, agradecendo e reforçando a importância de assegurar a continuidade e sustentabilidade de iniciativas como a dessa formação.
9º Fórum Social Brasileiro de Enfrentamento das Doenças Infecciosas e Negligenciadas
No dia seguinte ao minicurso (20 de setembro), cerca de 150 pessoas, incluindo representantes da sociedade civil que atuam no tema das doenças infecciosas e negligenciadas, professores e gestores de saúde se reuniram no 9º Fórum Social Brasileiro de Enfrentamento das Doenças Infecciosas e Negligenciadas para discutir e propor soluções para essa população.
“Convivo com a realidade de uma doença invisível para muitos. Esse encontro em sua nona edição é muito mais do que uma reunião anual, é uma oportunidade de reunir vozes e de compartilhar vivência e nossas dores em uma força coletiva. Exigimos respostas das autoridades, da classe médica e cientifica. Não somos números, somos pessoas, com histórias e sonhos”, frisou Aparecida Benedita, representante da Associação de Chagas de São Paulo (Achagrasp), em sua fala de abertura no Fórum.
Durante a reunião, os participantes discutiram a consolidação de um instrumento reivindicatório a ser encaminhado ao Ministério da Saúde com 15 propostas que deverão ser priorizadas pelo governo no âmbito da atenção primária de saúde, acesso a diagnóstico e tratamentos, e políticas públicas.