Publicado na revista Lancet, o estudo entretanto não recomenda a monoterapia com o medicamento, já que sua eficácia antiparasitária não foi demonstrada.
Rio de Janeiro e Barcelona, 10 de janeiro de 2024 – Um ensaio clínico para o tratamento da doença de Chagas realizado na Espanha, com uma população em sua maioria latino-americana, demostrou que o medicamento fexinidazol em doses baixas é bem tolerado pelos pacientes, mas não é eficaz na eliminação do parasita causador da doença, o Trypanosoma cruzi, de forma sustentada. Os resultados do estudo foram publicados na prestigiada revista científica Lancet Infectious Diseases.
O fexinidazol foi desenvolvido como um antimicrobiano de amplo espectro e exibiu potencial tripanocida em estudos pré-clínicos nas décadas de 1970 e 1980, antes de seu desenvolvimento ser abandonado. Ele foi redescoberto posteriormente pela iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi) e constatou-se que é seguro e eficaz para o tratamento da doença do sono em um estudo de Fase 2/3, tendo um perfil de segurança aceitável. A Agência Europeia de Medicamentos recomenda o uso do fexinidazol, o primeiro tratamento exclusivamente oral para a doença do sono.
As conclusões deste estudo para Chagas se referem ao FEXI-12, um estudo multicêntrico, duplo-cego e randomizado de Fase 2 para o tratamento da doença de Chagas crônica indeterminada. O estudo foi realizado em cinco hospitais da Espanha com ampla experiência no atendimento de pacientes com a doença de Chagas. Ele foi patrocinado pela DNDi e contou com o Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal), apoiado pela Fundação “la Caixa”, como centro de coordenação nacional na Espanha.
Três regimes de fexinidazol foram avaliados no FEXI-12, com diferentes durações e dosagens. Embora os pacientes voluntários tenham tolerado todos os regimes testados e a carga parasitária tenha diminuído de forma acentuada após o tratamento, um efeito rebote se manifestou dez semanas depois. Por isso, os pesquisadores decidiram interromper o desenvolvimento do fexinidazol como monoterapia para o tratamento da doença de Chagas.
Mais de seis milhões de pessoas em todo o mundo estão infectadas com o Trypanosoma cruzi, com impacto particularmente alto em comunidades vulneráveis da América Latina. Apenas uma pequena parcela das pessoas afetadas tem acesso ao diagnóstico e ao tratamento com benznidazol ou nifurtimox. Ambos os fármacos, utilizados para o tratamento antiparasitário dessa infecção crônica, foram desenvolvidos há mais de cinquenta anos. As frequentes reações adversas durante o uso desses dois medicamentos representam uma barreira significativa ao tratamento, levando um em cada cinco pacientes a interromper a terapia.
O fexinidazol mostrou ser eficaz em um ensaio clínico anterior, que foi interrompido porque as doses avaliadas não estavam sendo bem toleradas. O novo estudo avaliou o fexinidazol em doses mais baixas e com um tratamento de duração mais curta.
“O fexinidazol, apesar da boa tolerância, não apresenta eficácia adequada contra o parasita T. cruzi, razão pela qual não é uma alternativa viável para o tratamento da doença de Chagas”, afirma Julio A. Padilla, diretor da Iniciativa de Chagas do ISGlobal. “A busca por alternativas (novos produtos e reaproveitamento de compostos utilizados em outras doenças) é prioridade. Para isso, o ISGlobal está participando do estudo TESEO, que tem o objetivo de otimizar os regimes de fármacos atualmente utilizados (benznidazol e nifurtimox), ao mesmo tempo que pesquisa possíveis biomarcadores de resposta terapêutica.
A doença de Chagas continua sendo negligenciada, com um acesso ao tratamento estimado em menos de 1% dos pacientes. O desenvolvimento de novos medicamentos que sejam mais seguros e eficazes do que os tratamentos atuais provavelmente levará mais vários anos. Em diversos ensaios clínicos, o tratamento padrão com benzonidazol demonstrou ser eficaz contra a infecção (eficácia medida por resultados negativos de PCR) com um efeito sustentado durante pelo menos 12 meses de acompanhamento pós-administração em aproximadamente 80% dos pacientes tratados. Atualmente, a otimização dos tratamentos existentes por meio do uso de regimes alternativos continua sendo uma linha de pesquisa promissora.
“A DNDi está trabalhando com parceiros no estudo NuestroBen, que visa avaliar se um regime mais curto de benzonidazol tem potencial para se tornar o padrão para o tratamento da doença de Chagas. Nossa esperança é que um tratamento de menor duração melhore a relação risco-benefício do uso deste medicamento e aumente a adesão à terapia. Tornar as terapias disponíveis mais simples e seguras é um caminho potencialmente mais rápido para melhorar a qualidade de vida das pessoas afetadas enquanto nos dedicamos ao processo mais longo de pesquisa de moléculas para encontrar um medicamento totalmente novo para a doença de Chagas”, explica a coordenadora do programa de doença de Chagas da DNDi, María-Jesús Pinazo.
Após a finalização do ensaio BENDITA, que sugeriu que uma duração mais curta do tratamento com benzonidazol poderia manter uma alta eficácia antiparasitária, outros estudos estão em andamento em busca de evidências mais claras sobre a viabilidade de regimes alternativos aos medicamentos atuais e seu potencial de melhorar a tolerabilidade e a adesão, reduzindo a incidência de efeitos adversos. Enquanto isso, os esforços para descobrir novos fármacos continuam, e novas entidades químicas promissoras estão avançando para os testes de Fase 1 e 2.
Referência
Pinazo MJ, Forsyth C, Losada I, Trigo Esteban E, García-Rodríguez M, et al, em nome do FEXI-12 Study Team. Efficacy and Safety of Fexinidazole for Treatment of Chronic Indeterminate Chagas Disease (FEXI-12): A Multicentre, Randomised, Double-Blind, Phase 2 Trial. Lancet Infectious Diseases. 2024. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(23)00651-5
Sobre a doença de Chagas
Causada pelo protozoário parasita Trypanosoma cruzi e transmitida por insetos conhecidos como “barbeiros”, a doença de Chagas é endêmica em 21 países das Américas e também está presente na Espanha e em outros países da Europa, Japão e Austrália. A infecção afeta aproximadamente 6 a 7 milhões de pessoas, com 30 mil novos casos e 14 mil mortes anualmente. Como as pessoas geralmente passam muitos anos sem apresentar nenhum sintoma, a maioria não sabe que está com a infecção. Até um terço das pessoas com a doença de Chagas sofrerá danos cardíacos que podem levar à insuficiência cardíaca progressiva ou morte súbita. A cada ano, essa doença mata mais pessoas na América Latina do que qualquer outra doença parasitária, incluindo a malária.
Sobre o ISGlobal
O Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal) é fruto de uma parceria inovadora entre a Fundação “la Caixa” e instituições acadêmicas e governamentais para contribuir com os esforços da comunidade internacional no enfrentamento dos desafios da saúde em um mundo globalizado. O ISGlobal consolida um polo de excelência baseado em pesquisa e assistência médica que se originou nas áreas hospitalar (Hospital Clínic e Parc de Salut MAR) e acadêmica (Universidade de Barcelona e Universitat Pompeu Fabra). Seu modelo de trabalho se baseia na geração de conhecimentos científicos através dos Programas e Grupos de Pesquisa, e sua translação por meio das áreas de Capacitação e Análise e Desenvolvimento Global. O ISGlobal é acreditado como “Centro de Excelência Severo Ochoa” e é membro do sistema CERCA da Generalitat de Catalunya. www.isglobal.org
Sobre a DNDi
A iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi) é uma organização de pesquisa médica sem fins lucrativos que descobre, desenvolve e disponibiliza tratamentos seguros, eficazes e acessíveis para pessoas desatendidas. A DNDi está desenvolvendo medicamentos para doença do sono, leishmaniose, doença de Chagas, cegueira dos rios, micetoma, dengue, HIV pediátrico, doença avançada por HIV, meningite criptocócica e hepatite C. Suas prioridades de pesquisa incluem saúde infantil, equidade de gênero e P&D com perspectiva de gênero, e doenças impactadas pelas mudanças climáticas. Desde sua criação em 2003, a DNDi fez alianças com parceiros públicos e privados em todo o mundo para produzir 13 novos tratamentos, salvando milhões de vidas. dndi.org
Contatos de imprensa
Beatriz Fiestas
+34 669 877 850
Marcela Dobarro (América Latina)
mdobarro@dndi.org
+55 21 981149429
Até o momento, desenvolvemos nove tratamentos para doenças negligenciadas, salvando milhões de vidas. Temos o objetivo de disponibilizar 25 novos tratamentos em nossos primeiros 25 anos. Você pode nos ajudar!
Organização internacional, sem fins lucrativos, que desenvolve tratamentos seguros, eficazes e acessíveis para os pacientes mais negligenciados.
DNDi GlobalExceto para imagens, filmes e marcas registradas que estão sujeitos aos Termos de Uso da DNDi, o conteúdo deste site está licenciado sob uma Licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-Share Alike 3.0 Switzerland License.